Já não me lembro dos detalhes, se era manhã ou noite, primavera ou verão, calor ou frio. Provavelmente chovia, mas lá dentro era só aconchego.
Aconchego… é um conceito tão relativo! Depende de como o coração foi preenchido ao longo da vida. Para mim a tradução é aquele apartamento, perfumado com o cheiro dos temperos que meu pai deixava escapar das panelas enquanto minha mãe enfeitava cada canto da casa com sua alma de artista.
Naquele dia estávamos os três na sala, curiosamente em cima de um colchão – segundo minha memória não muito confiável de criança -, quando minha mãe disse algo como “Se o mundo todo inundar, nós estaremos aqui, juntos, protegidos e seguros neste barquinho”.
Na época achei divertido, mas não entendi bem de onde ela tirou isso e o que exatamente quis dizer. Hoje, há mais de um mês sem poder sair de casa, finalmente compreendi.
Tristemente o tsunami que inundou o planeta não é mais de mentirinha, e essa onda perigosa está levando muita gente embora.
Eu tenho a sorte de estar protegida no meu barquinho, hoje com outros tripulantes que também me trazem a reconfortante sensação de segurança e aconchego.
Nem todos tem essa opção, mas quanto mais gente dentro de seus barquinhos, menos afogados teremos. É hora de pensar em todos. Fique em casa.